Carta Magna completa 37 anos neste domingo, 5, com avanços na garantia de direitos
A Constituição Federal de 1988 transformou o Judiciário em um instrumento de garantia de direitos. A sétima Carta Magna brasileira foi batizada de Constituição Cidadã por ter ampliado e consolidado direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e por ter ajustado o sistema de Justiça em um instrumento de cidadania ativa.
Ao celebrar 37 anos de sua criação neste domingo, 5, autoridades, juristas e acadêmicos(as) convergem na avaliação de que, ao consagrar o princípio da igualdade, a Carta Magna brasileira é um marco do acesso universal e gratuito à justiça.
Uma das maiores autoridades do país em Direito Constitucional, o professor titular do Departamento de Direito da Universidade de São Paulo (USP) José Afonso da Silva participou ativamente da redação da Constituição Federal de 1988. Ele foi um dos assessores jurídicos da Assembleia Constituinte. Aos 100 anos, o jurista que ajudou a construir diversos pilares da Carta Magna conta qual artigo lhe dá mais orgulho de ter ajudado a criar.
“Com certeza, a instituição do Estado Democrático de Direito (art. 1º), com seus incisos que prescrevem princípios fundamentais, como dignidade da pessoa humana. Depois, a criação do habeas data (art. 5º, LXXII). De maior importância foi a estruturação normativa tal como nas constituições modernas, dando primazia aos princípios e direitos e garantias fundamentais (arts. 1º e 5º)”, revela. O jurista revela que se pudesse fazer um novo artigo, “buscaria priorizar a concretização da igualização dos desiguais”.
E é o espírito igualitário, que busca a redução dos abismos sociais, que mais transparece na Constituição Cidadã. Antes de 1988, o acesso à Justiça era restrito e marcado por desigualdades. Um caso de homicídio no interior do país, por exemplo, poderia ser julgado sem defesa técnica adequada, com base em provas frágeis e sem garantia plena de direitos. Os altos custos processuais limitavam a atuação judicial a poucos.
Defesa – A consolidação do acesso está presente em vários instrumentos criados ou aperfeiçoados a partir da Constituição. O coordenador da Comissão de Litigância Estratégica em Direitos Humanos do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Carlos Nicodemos, diz que a previsão de assistência jurídica gratuita, o entendimento que a advocacia é indispensável para a administração da Justiça, assim como o fortalecimento da Defensoria Pública democratizaram o Judiciário.
“Antes, cabia aos Estados, dentro das suas condições – muitas vezes precarizadas –, criar mecanismos de acesso a pessoas humildes. Essa situação prejudicava quem não tinha condições de pagar por sua defesa. Hoje, o acesso é universal e garantido a todos cidadãos, inclusive pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que exige que os Estados-membros ofereçam acesso à juízes ou à tribunais para o questionamento de atos que infrinjam leis ou a própria Convenção”, explica Nicodemos.
A criação do CNJ, em 2004, em sua avaliação, manteve o espírito democrático em sua essência. “Foi um desdobramento dessa nova arquitetura constitucional, com o objetivo de promover maior transparência, eficiência, assim como promover na Justiça a harmonização das leis internas com os tratados internacionais”, diz. Entre as iniciativas do Conselho estão ações como o Programa Justiça Itinerante, as políticas de inclusão digital e os mutirões carcerários.
Desafio
Apesar de obrigar o Estado a atuar de forma mais ativa na promoção da justiça social, a Constituição de 1988, por si só, não tem o poder de eliminar as desigualdades que marcam a sociedade brasileira. Nessas quase quatro décadas de vigência, o país ainda enfrenta desafios como o acesso desigual à educação, à saúde, à moradia, e um especial desafio na pretensão de se buscar esses direitos: o excesso de judicialização.
No fim de 2024, havia 80 milhões de casos em tramitação no judiciário brasileiro, segundo o relatório Justiça em Números, produzido pelo CNJ. A cada ano, entram cerca de 40 milhões de novos casos. Para o desembargador aposentado, ex-procurador da República e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Roberto Bedaque, o modelo jurídico brasileiro é sólido em teoria, mas enfrenta obstáculos estruturais para funcionar plenamente diante do volume de judicialização.
“Temos um regime muito bom, mas não há condições adequadas para que ele opere com esse número estratosférico de processos”, afirma. Segundo Bedaque, a duração razoável do processo — garantida pela Constituição — é hoje uma das normas mais descumpridas. Ele aponta a necessidade de aperfeiçoamentos no sistema, como o combate à litigância abusiva e o respeito às decisões do STF, cuja interpretação da lei deve orientar os demais julgamentos. “De que adianta termos o direito, se a decisão chega tarde demais ou não produz os efeitos esperados?”, questiona.
Durante a promulgação da Carta, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulisses Guimarães, reforçou o enfoque humanista transformador de seu texto: “No que tange à Constituição, a Nação mudou. Mudou quando quer transformar o homem em cidadão. E só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, quem lê e escreve, quem mora, tem hospital e remédio, descanso e lazer.”
Apesar dos inúmeros avanços obtidos nos últimos anos, o país ainda aguarda a plena concretização dos preceitos constitucionais. A Constituição aponta o caminho; cabe ao Estado e à sociedade garantir que a trilha seja percorrida. (Texto: Regina Bandeira/ Agência CNJ de Notícias)