No quarto julgamento que enfrentou no caso Dorothy Stang, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura foi condenado
Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi condenado ontem a 30 anos de prisão como o mandante do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 12 fevereiro de 2005, em Anapu, no Pará. A sentença foi proferida às 23h45 pelo juiz Raimundo Moisés Alves Flexa, após cerca de 13 horas de julgamento no Tribunal de Justiça do Pará. Do resultado do quarto julgamento do caso, o condenado não poderá recorrer em liberdade, e permanecerá sob a custódia do Sistema Penitenciário do Pará. De acordo com a sentença lida pelo magistrado, Bida foi condenado pelo crime de homicídio duplamente qualificado, pela “forma fria, covarde e premeditada” do crime e por ter articulado a execução da vítima. O juiz ressaltou o fato de que o acusado colocou questões patrimoniais e territoriais acima da vida da missionária.
À pena base de 29 anos pelo homicídio o juiz acrescentou mais um ano de reclusão em regime fechado por ter a vítima mais de 60 anos de idade, no caso, 73 anos. “Foi feita justiça de verdade. É um momento de felicidade, eu estou muito feliz”, afirmou David Stang, irmão de Dorothy Stang ao lado de integrantes da Congregação Notre-Dame, a qual pertencia a missionária.
Para o promotor Edson Cardoso, a defesa pretendeu atribuir os motivos do crime a Amair Feijoli Cunha, o Tato, condenado como intermediário entre os mandantes e os executores do crime, mas prevaleceu a argumentação, a partir de depoimentos dados por Rayfran das Neves e Tato, de que havia mais gente envolvida no caso. A defesa de Bida adiantou que pretende recorrer da sentença de ontem. Familiares de Vitalmiro Moura lamentaram a decisão do conselho de sentença.
O julgamento foi acompanhado pelo procurador da República Felício Pontes Júnior, e pela representante da OAB-PA, Mary Cohen.
DEBATE
Bida sentou no banco dos réus pela quarta vez no caso da morte de irmã Dorothy Stang, que defendia projetos de manejo sustentável em Anapu, na região da Terra do Meio, no sudoeste do Pará. O fazendeiro já havia sido condenado duas vezes e inocentado em um dos julgamentos, mas as sentenças foram anuladas pela Justiça.
De acordo com o promotor Edson Cardoso, todas as testemunhas da defesa de Vitalmiro teriam combinado suas versões para inocentar o réu. Para sustentar o argumento do Ministério Público, o promotor apresentou o laudo pericial da gravação de uma conversa feita na cadeia, onde Rayfran, condenado pelo assassinato da missionária, disse que receberia dinheiro para depor a favor de Vitalmiro. “Rayfran e Clodoaldo (também condenado, hoje foragido) teriam recebido R$ 10 mil para favorecer Bida em depoimento dentro da penitenciária”, disse o promotor. O
s debates entre a acusação, representada pelo promotor Edson Cardoso, e defesa, patrocinada pelos advogados de Vitalmiro começaram por volta das 17h, em sessão presidida pelo juiz Moisés Flexa. Durante 90 minutos o promotor sustentou a acusação contra o fazendeiro. Contudo, Eduardo Imbiriba, defensor do réu, interveio, argumentando que a tese do representante do Ministério Público seria uma “invenção”. Ele foi advertido pelo juiz.
A defesa de Vitalmiro se dividiu entre os advogados Eduardo Imbiriba e Arnaldo Lopes. O primeiro pediu que os jurados ponderassem o caso com imparcialidade. Segundo ele, toda vez que o réu tem algum resultado em tribunal que o favorece, este resultado é criticado. Para Imbiriba, isto limita a capacidade de defesa do seu cliente, que teria sido vítima de arbitrariedades durante o processo.
Imbiriba acusou a vítima, Dorothy Stang, de ter incentivado invasões de terra na área do PDS Esperança, em Anapu, e que isto teria contribuído para a violência no campo na região. “Será que é correto incentivar invasão em área que não lhe pertence?”, questionou. Segundo o advogado, não faria sentido que o fazendeiro ordenasse a execução da missionária, já que ele tinha uma liminar de reintegração de posse para o lote ocupado pela comunidade do PDS apoiada por Dorothy.
NEGAÇÃO
Ao ser interrogado pelo juiz, Vitalmiro, a exemplo das outras vezes em que foi julgado, negou qualquer participação no assassinato da missionária. Disse no júri que havia chegado a Anapu, onde Dorothy foi morta, na véspera do dia do crime, mas que não conhecia Rayfran das Neves Sales, pistoleiro condenado pela execução. Bida também falou que só soube do assassinato na tarde do dia 12 de fevereiro de 2005. “O Rayfran e o Clodoaldo chegaram na minha fazenda e chamaram meu funcionário. Eu fui até eles e o Rayfran falou “eu matei irmã Dorothy”, e eu disse “rapaz, você é doido?”.
Bida também confirmou que conhecia Amair Feijoli, o Tato. Porém, segundo o fazendeiro, não houve mandante no crime. O juiz Moises Flexa questionou Vitalmiro sobre o fato de Feijoli ter mudado seu depoimento para inocentá-lo, e o fazendeiro alegou que Tato havia, inicialmente, incriminado ele e Regivaldo Galvão para se beneficiar da delação premiada. “Os primeiros três depoimentos, ele (Tato) não acusou eu e o Regivaldo. Depois ele acusou na delação premiada. Não houve participação de ninguém após o Amair”, disse Bida.
Logo depois das perguntas do magistrado, o promotor Edson Cardoso passou a questionar o fazendeiro. Durante sua fala, Cardoso desqualificou as testemunhas apresentadas pela defesa, que alegaram, assim como o réu, que Vitalmiro é inocente. O promotor relembrou um depoimento de Tato no primeiro julgamento, que alegou que Vitalmiro e Regivaldo teriam oferecido R$ 50 mil pelo assassinato da missionária, mas a defesa do réu reforçou que posicionamento da testemunha mudou nos julgamentos seguintes. Ao advogado Eduardo Imbiriba, Vitalmiro confirmou que os assassinos de Dorothy dormiram na sua fazenda, mas no meio da mata, longe da sede.